quinta-feira, 11 de junho de 2020

Eu, tu, ele, nós … nos manifestaríamos?



        Em 1967, quando o campeão mundial de boxe Muhammad Ali se negou a lutar na guerra do Vietnã, teve sua carreira interrompida. Foi destituído de seus títulos, banido do boxe e condenado a cinco anos de prisão. Não chegou a ser preso, mas só pôde voltar aos ringues em 1970 - após três anos e meio - quando a Suprema Corte anulou a condenação convertendo-a em uma multa de 10.000 dólares.

Em 16 de outubro de 1968, na Cidade do México, houve o que muitos consideram o mais emblemático pódio das olimpíadas. Os americanos Tommie Smith e John Carlos ganharam, respectivamente, a medalha de ouro e bronze nos 200 metros rasos. Durante o hino abaixaram a cabeça e ergueram o punho usando uma luva preta, símbolo dos Panteras Negras, organização política que lutava contra a violência policial nos bairros negros. 

Resultado: foram duramente criticados, inclusive pelo Comitê Olímpico Internacional que alegou que não se deve misturar política e esporte, tiveram seus vistos cancelados e foram expulsos da vila olímpica no dia seguinte. Foi, basicamente, o fim de suas carreiras, inclusive para Peter Norman. O australiano segundo colocado, foi quem teve a ideia de dividir o único par de luvas disponível, após a olimpíada também foi relegado ao ostracismo.

Os atletas negros - mas não só - dos EUA tem um longo histórico de se posicionarem sobre questões relativas ao combate do racismo em suas diversas formas. Os atletas da NBA, provavelmente os mais ativos, têm em LeBron James um grande líder. 

O fato de o maior atleta de uma modalidade, com projeção mundial, se posicionar constantemente, causa um impacto gigantesco, além de facilitar para que outros atletas, com menor projeção esportiva e midiática, também se manifestem.

Se a NBA é um exemplo atual e importante no combate ao preconceito, a NFL está em posição diametralmente oposta. Quando no dia 26 de agosto de 2016, Colin Kaepernick se ajoelhou durante a exibição do hino americano, foi duramente criticado. Ele protestava contra a violência policial e disse, posteriormente: ”Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor”.

Kaepernick não é uma estrela do tamanho de LeBron James, mas quando se ajoelhou estava defendendo um time gigante do futebol americano. Vale ressaltar que sua posição quarterback é considerada a mais importante nesse esporte e de acordo com a cultura americana, a quem cabe liderar seus companheiros.

Após a manifestação de Kaepernick, outros atletas do seu time, de outros times e mesmo de outros esportes, começaram a fazer o mesmo protesto, dando início ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras importam). O então presidente Barack Obama, apoiou o atleta por entender que a causa da luta é válida e o protesto: “é um exercício dos direitos constitucionais”.

A reação contrária dos conservadores foi feroz. O candidato republicano à presidência dos EUA Donald Trump, disse: “Acho isso terrível, talvez seja bom ele achar outro país”. Após as manifestações, Kaepernick começou a receber diversas ameaças de morte, algo bem sério ao se considerar o histórico americano de líderes assassinados, que incluem, entre outros, Martin Luther King e Malcom X.

Ao final da temporada, o quarterback não teve seu contrato renovado e nenhuma outra equipe se interessou por ele, algo bastante incomum para um atleta de talento reconhecido. Trump (o imbecil americano, sim nó temos o nosso) chegou a tuitar: “Vocês não adorariam ver um desses donos da NFL, quando alguém desrespeita nossa bandeira, dizer ‘tirem esse filho da puta do campo agora. Fora, Você está demitido’?” 

A NFL fez a escolha de destruir a carreira de um atleta, além de mandar um recado para todo o país: “se ajoelhar é ilegítimo e, por extensão, é crítico à polícia”. Após esperar alguns meses e perceber que nada mudaria, Kaepernick e Eric Reid (companheiro de time) entraram com um processo na justiça contra os donos de equipes da NFL acusando-os de conluio. Após quase dois anos de batalha judicial, chegaram a um acordo sigiloso, mas especula-se que girou em torno de 10 milhões de dólares. 

Mas a maior vitória de Kaepernick se deu a partir de uma campanha publicitária da Nike no dia 3 de setembro de 2018 - dia do trabalhador nos EUA. Em comemoração aos 30 anos da campanha Just do It, a empresa que patrocina o atleta desde 2011, estampou seu rosto com a frase: “Acredite em algo. Mesmo se isso significa sacrificar tudo.”

Conservadores e/ou apoiadores de Trump tentaram impor um boicote à empresa. Queimaram produtos da marca e usaram no Twitter a hashtag #BoycottNike. No entanto, as ações da empresa aumentaram em 5% na bolsa de valores ou 6 bilhões de dólares em três semanas de campanha. 

Os sinais foram claros: “Os EUA não é mais o mesmo”. 

George Floyd, eis um nome que não será esquecido, pelo menos nas próximas décadas.

Obrigado,

Olhar periférico 07.



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