Opinião do blog: discordo. Explico.
Professor é uma profissão e, como tal, há profissionais que a exercem com nobreza. O pressuposto envolvido é o respeito à atividade que se exerce, portanto independe da função. Dizer que é “dom” simplifica uma questão bem mais complexa.
Alguém grita: “Eu vi o filme, ele mostrou o quanto aquele professor(a) é nobre.”
O segredo é o termo “aquele”, logo não são todos. Como cinéfilo e professor, tenho dezenas de filmes sobre professores que acho incríveis, o primeiro a me causar grande impacto foi “Ao mestre com carinho”.
Dica do blog: quase todos os filmes sobre professores recorrem ao expediente da sala única.
De acordo com a disciplina, os professores das escolas públicas da periferia costumam ter entre 5 e 10 turmas por período. Grande parte desses professores tem dois cargos, portanto pode-se dobrar esse número. Essa é a realidade das escolas da periferia, não há professores do fundamental II e médio com uma turma apenas. Portanto, os professores têm entre 150 e 300 alunos por período. Para grande parte deles, torna-se impraticável sequer conhecer o nome de todos os seus alunos, mesmo ao final do ano letivo.
Nenhuma política de educação pública será eficaz enquanto a sociedade não estiver disposta a pagar melhores salários aos professores. Sim, a sociedade, não apenas os políticos.
A título de exemplo: um médico em início de carreira ganha R$ 10.000,00 e muitos consideram um salário baixo, afinal “eles cuidam da vida das pessoas”. Os pacientes da periferia costumam ser atendidos por esses médicos, seja nos postos de saúde ou nos hospitais públicos. Os médicos mais experientes e bem qualificados estão nos grandes hospitais particulares e ganham muito mais que isso.
Pergunta do blog: “Considerando a realidade Brasileira, você acha que um profissional que estudou 7 anos para se formar e tem um salário inicial de R$ 10.000,00 está ganhando pouco?”
Enquanto o salário pago a professores do ensino público for de R$ 2.500,00 por período, não haverá seleção entre esses profissionais. Será contratado aqueles que aceitam o salário oferecido. No Estado de São Paulo, é possível fazer toda a carreira sem estar formado e sem ser aprovado em concurso público.
Não se trata de uma crítica direta aos professores da rede estadual, mas a constatação de uma realidade, segundo a qual esses profissionais não são valorizados.
As famílias “deixam” seus filhos sobre a responsabilidade da escola por 5 ou 6 horas, aos cuidados de profissionais mal remunerados. Numa tentativa desesperada de melhorar seus rendimentos, esses profissionais se submetem a jornadas exaustivas e, portanto, estabelecem uma relação impessoal com seus alunos.
Pergunta do blog: “Alguém se lembrou daquele médico que, sem olhar nos seus olhos ou encostar a mão em você, profere o diagnóstico de virose em 5 minutos?”. Lembre-se que ele tem um salário inicial de R$ 10.000,00.
Atualmente, a principal política de educação da rede estadual de São Paulo é uma produção incessante de índices. Não importa se esses índices e metas representam uma real possibilidade de melhoria na qualidade do ensino, mas se atendem ao seu objetivo, a saber: legitimar essa política.
“Torture os números que eles confessam”, dito popular.
Organizações como “Todos pela educação” ou o “Instituto Ayrton Senna” são signatários desta política, mas não estão no chão da escola, pelo menos não na periferia.
“De boas intenções o inferno está cheio”, já alertava o ditado popular.
Não há caminho único para se melhorar o nível da educação pública; logo, ter quem pense em políticas públicas de educação é tão importante quanto quem as aplica no chão da escola. Somente a partir do pagamento de melhores salários, será possível selecionar profissionais qualificados para implementar as políticas pensadas. Não ter isso por pressuposto é um erro crasso.
Uma das áreas de estudo sobre a educação que mais avançou é a associada a neurociência. Atualmente, temos um conhecimento muito maior sobre como o cérebro humano aprende, no entanto, esse conhecimento é ignorado em prol da busca incessante por melhores índices.
Profissionais mal remunerados, sem a formação adequada, sem ter à disposição cursos de formação contínua com qualidade e reféns da produção de índices, não têm tempo de refletir sobre suas próprias práticas.
Estou caminhando para uma década como professor da rede pública, trabalhei com algumas dezenas de profissionais apaixonados pelo seu ofício e interessados em se tornar o melhor professor(a) possível. No entanto, também convivi com profissionais medíocres sem a menor preocupação com o futuro dos alunos, apenas “cumprindo tabela”.
Não há profissão nobre a priori, há profissionais que agregam nobreza à sua profissão. A necessidade de seleção é premente.
Obrigado,
Olhar periférico 08.
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