Estudei minha vida inteira no ensino público.
Num primeiro momento representou uma perda em termos de diferencial competitivo.
Ao longo dos meus anos no ensino básico fui um bom aluno. Tirava boas notas e a maioria dos professores gostavam de mim, pois também era bem participativo. Aquele ambiente sempre fez sentido pra mim. Não fui particularmente super incentivado em casa, mas jamais precisei de incentivos nessa área. Não tenho certeza do motivo, mas o conhecimento sempre me pareceu sedutor.
Na minha infância precisei lidar com uma série de privações, não foi um grande problema. Apesar de sempre ser um dos mais pobre entre meus amigos, a maioria deles não estava em situação muito melhor. Pelo menos era como eu enxergava na época. Mas na escola a história era outra.
Até o terceiro ano fui um aluno apenas mais ou menos, a partir desse momento, no entanto, consegui sempre melhores notas ano a ano. A confiança acompanhou. Me tornei um aluno procurado pelos demais e tentava ajudá-los nas diferentes disciplinas. Era uma sensação boa.
A roupa não era a da moda, não tinha dinheiro para comprar lanche na cantina (acho que só fui saber o que é isso já no ensino médio, quando já estava trabalhando), a opção era a merenda da escola. Naquela época não era a comida de hoje, pois muitas vezes era a sopa de feijão ou macarrão só com molho, óbvio que não tinha carne. Quando tinha pão com uma salsicha e mais nada era festa.
Desde muito cedo soube que meus pais não poderiam me dar muito mais do que aquilo, sendo assim, meu caminho seria repleto de luta. Sem problemas, jamais fui preguiçoso, não era uma opção. Claro que houve momentos de raiva aqui e acolá, mas não foram determinantes para compor a pessoa que estava me tornando. Novamente, pelo menos era como enxergava na época.
Entre terminar o fundamental II e começar o ensino médio houve dois anos sabáticos.
“Por quê?”
Resposta: Não fazia muita diferença, pois fui admitido no Senai. Maravilha, estava aprendendo uma profissão e ainda recebia salário (no caso, meio salário mínimo).
Desejava continuar avançando, para isso, precisava cursar o ensino médio “técnico” (seria a Etec de hoje, mas era pago). Óbvio que não tinha dinheiro, resultando nos dois anos parados. Não houve grandes cobranças, tanto em casa quanto na “sociedade”, visto que esse era o papel reservado pra mim. Maravilha, como estava trabalhando não seria “vagabundo” ou bandido. Ao final do segundo ano percebi que não conseguiria viabilizar financeiramente esse tipo de ensino médio. Tranquilo, fiz o “vestibulinho” para tentar uma vaga nas escolas públicas que eram um pouco melhor.
Para quem morava na zona sul nos anos 90, isso significava quatro opções: Manoel de Paiva (hoje sede da DE Sul 2) na Vila Mariana, Oswaldo Aranha no Campo Belo, Alberto Conte em Santo Amaro e Dom Duarte no Socorro. Todas escolas de “passagem”. A maioria desses alunos/adolescentes (já a partir dos 14 anos) trabalhavam em regiões centrais até às 18h00, às vezes 19h00. Como o início das aulas era às 19h00, não dava tempo de chegar na escola do bairro depois do trabalho. Fazia muita diferença na época.
“Eu moro na periferia, mas não estou trabalhando, não posso estudar nessas escolas?”.
Resposta: se conseguir pagar a passagem de ônibus e passar na prova sim, senão se vira e frequenta a do seu bairro mesmo.
“Trabalho, mas não sei se consigo passar na prova, e agora?”.
Resposta: há uma boa chance de você parar de estudar. Aconteceu muitas vezes. Para alguns havia a opção de fazer horas extras no trabalho, “escolha” que tornava inviável estudar.
Consegui passar na prova, maravilha. Cabe lembrar que tinha uma vantagem competitiva por já ter cursado o Senai,
“Durante o ensino médio conversava-se sobre o ensino superior?”.
Resposta: muito pouco. Existia a USP, mas era muito difícil de passar na prova, não era pra nós (periferia). As faculdades pagas (poucas à época) eram caras. Era preciso conseguir alguma estabilidade financeira, possível, para então se pensar em faculdade. Poucos amigos cursaram o ensino superior e somente alguns anos depois. Boa parte jamais conseguiu e alguns nem terminaram o ensino médio.
“Como fui parar no ensino superior?”.
Resposta: essa é outra história.
Obrigado,
Olhar periférico 02.