terça-feira, 26 de maio de 2020

O ensino público



          

           Estudei minha vida inteira no ensino público. 

Num primeiro momento representou uma perda em termos de diferencial competitivo. 

Ao longo dos meus anos no ensino básico fui um bom aluno. Tirava boas notas e a maioria dos professores gostavam de mim, pois também era bem participativo. Aquele ambiente sempre fez sentido pra mim. Não fui particularmente super incentivado em casa, mas jamais precisei de incentivos nessa área. Não tenho certeza do motivo, mas o conhecimento sempre me pareceu sedutor.

Na minha infância precisei lidar com uma série de privações, não foi um grande problema. Apesar de sempre ser um dos mais pobre entre meus amigos, a maioria deles não estava em situação muito melhor. Pelo menos era como eu enxergava na época. Mas na escola a história era outra. 

Até o terceiro ano fui um aluno apenas mais ou menos, a partir desse momento, no entanto, consegui sempre melhores notas ano a ano. A confiança acompanhou. Me tornei um aluno procurado pelos demais e tentava ajudá-los nas diferentes disciplinas. Era uma sensação boa. 

A roupa não era a da moda, não tinha dinheiro para comprar lanche na cantina (acho que só fui saber o que é isso já no ensino médio, quando já estava trabalhando), a opção era a merenda da escola. Naquela época não era a comida de hoje, pois muitas vezes era a sopa de feijão ou macarrão só com molho, óbvio que não tinha carne. Quando tinha pão com uma salsicha e mais nada era festa.

Desde muito cedo soube que meus pais não poderiam me dar muito mais do que aquilo, sendo assim, meu caminho seria repleto de luta. Sem problemas, jamais fui preguiçoso, não era uma opção. Claro que houve momentos de raiva aqui e acolá, mas não foram determinantes para compor a pessoa que estava me tornando. Novamente, pelo menos era como enxergava na época.

Entre terminar o fundamental II e começar o ensino médio houve dois anos sabáticos. 

“Por quê?” 

Resposta: Não fazia muita diferença, pois fui admitido no Senai. Maravilha, estava aprendendo uma profissão e ainda recebia salário (no caso, meio salário mínimo). 

Desejava continuar avançando, para isso, precisava cursar o ensino médio “técnico” (seria a Etec de hoje, mas era pago). Óbvio que não tinha dinheiro, resultando nos dois anos parados. Não houve grandes cobranças, tanto em casa quanto na “sociedade”, visto que esse era o papel reservado pra mim. Maravilha, como estava trabalhando não seria “vagabundo” ou bandido. Ao final do segundo ano percebi que não conseguiria viabilizar financeiramente esse tipo de ensino médio. Tranquilo, fiz o “vestibulinho” para tentar uma vaga nas escolas públicas que eram um pouco melhor. 

Para quem morava na zona sul nos anos 90, isso significava quatro opções: Manoel de Paiva (hoje sede da DE Sul 2) na Vila Mariana, Oswaldo Aranha no Campo Belo, Alberto Conte em Santo Amaro e Dom Duarte no Socorro. Todas escolas de “passagem”. A maioria desses alunos/adolescentes (já a partir dos 14 anos) trabalhavam em regiões centrais até às 18h00, às vezes 19h00. Como o início das aulas era às 19h00, não dava tempo de chegar na escola do bairro depois do trabalho. Fazia muita diferença na época. 

“Eu moro na periferia, mas não estou trabalhando, não posso estudar nessas escolas?”. 

Resposta: se conseguir pagar a passagem de ônibus e passar na prova sim, senão se vira e frequenta a do seu bairro mesmo. 

“Trabalho, mas não sei se consigo passar na prova, e agora?”. 

Resposta: há uma boa chance de você parar de estudar. Aconteceu muitas vezes. Para alguns havia a opção de fazer horas extras no trabalho, “escolha” que tornava inviável estudar.

Consegui passar na prova, maravilha. Cabe lembrar que tinha uma vantagem competitiva por já ter cursado o Senai,

“Durante o ensino médio conversava-se sobre o ensino superior?”. 

Resposta: muito pouco. Existia a USP, mas era muito difícil de passar na prova, não era pra nós (periferia). As faculdades pagas (poucas à época) eram caras. Era preciso conseguir alguma estabilidade financeira, possível, para então se pensar em faculdade. Poucos amigos cursaram o ensino superior e somente alguns anos depois. Boa parte jamais conseguiu e alguns nem terminaram o ensino médio.

“Como fui parar no ensino superior?”. 

Resposta: essa é outra história.

Obrigado,

Olhar periférico 02.


sexta-feira, 22 de maio de 2020

Inferno



Se estiver passando pelo inferno, continue caminhando.

Winston Churchill


Dita por Churchill, durante a Segunda Guerra Mundial, essa frase pode ser vista como um bom exemplo de frase “inspiradora” em tempos de pandemia. Certamente houve algum coaching profissional que também já fez uso dela. Será? Não sei, imagino que sim.

“Capão Pecado”, de Ferréz, foi uma das leituras sobre a periferia para escrever minha dissertação de mestrado. Já o conhecia de entrevistas, tinha lido comentários sobre o livro, mas o livro não tinha lido. Era o momento certo. Durante a leitura, decidi: será minha epígrafe. Eis o excerto que escolhi:


Rael tentou se encontrar em Deus, mas pensou no que seria o céu...

teria periferia lá? E Deus? Seria da mansão dos patrões ou viveria na senzala?

Ele entendeu que tá tudo errado, a porra toda tá errada, o céu que mostram é elitizado,

o Deus onipotente e cruel que eles escondem matou milhões;

tá na Bíblia, tá lá, pensava Rael, mas apresentam Jesus como sendo um cara loiro.

Que porra é essa, que padrão é esse? Rael chegou a conclusão mais óbvia:

aqui é o inferno, onde pagamos e estamos pagando,

aqui é o inferno de algum outro lugar e desde o quilombo a gente paga,

nada mudou.

(FERRÉZ, 2000)


Minha indagação é: estamos falando do mesmo inferno? Sem conotações religiosas, essa discussão seria para outro momento. 

Os números são bem claros, a pandemia será muito mais agressiva na periferia. Sempre se soube desse fato, não era uma questão de esperar pra ver o que aconteceria, mas quando. Há vários textos sobre isso, destaco:  < A pandemia é uma doença de classe: a catástrofe brasileira ainda está por vir >.

Enquanto a Covid-19 vitimava os privilegiados, as primeiras semanas de isolamento social serviu ao seu propósito, a saber: não ter mais pacientes precisando dos leitos de UTI do que as vagas disponíveis na rede privada. Os óbitos se restringiram aos “velhinhos” e às pessoas com comorbidades (doenças pré-existentes que agravam o quadro). Realidade dolorosa para as famílias, mas restrita a poucas pessoas.

A partir do momento que os casos foram diminuindo nos bairros privilegiados e se encaminhou para as periferias, curiosamente o apoio ao isolamento social diminuiu bastante. Até o termo que começou como “quarentena”, passou para “isolamento social”, agora é “distanciamento social”, representa diferença substancial.

“Qual passou a ser a postura das elites?”

Resposta: não podemos salvar vidas se não salvarmos a economia. Opinião do blog: Mentira. Essa falsa oposição entre vida x economia tinha um objetivo muito claro: a flexibilização.

Essas elites pressionam os governos para que mais setores da economia sejam considerados essenciais e, com isso, possam obrigar seus funcionários a ir trabalhar. Lembrem-se que o governo do Estado de São Paulo chegou a anunciar que a partir do dia 11 de maio começaria a flexibilização, depois voltou atrás.

O que move a economia não são os grandes empresários, como as elites gostam de fazer parecer. O motor da economia sempre foi o trabalhador. O trabalhador gera a riqueza que os donos das empresas se apossam e ainda tem um papel que costuma ser esquecido: ser o comprador desses diversos produtos e serviços.

Por isso que a greve assusta tanto e é constantemente “demonizada”. Em momentos de greve fica claro que a roda da economia não gira com o trabalhador parado, independente da riqueza do patrão.

O que essa pandemia tem nos mostrado? A mesma coisa. Se o trabalhador ficar em casa o grande lucro fica comprometido.

“Mas se as pessoas morrerem, quem vai comprar os produtos?”

Resposta: depende. Há setores da economia, como a construção civil, em que o trabalhador produz a riqueza, mas não tem acesso à esse produto. Os consumidores serão as classes mais privilegiadas, as quais já passaram pelo pior da pandemia.

Nesse cenário de propagação em massa da Covid-19, muitos trabalhadores e seus familiares serão infectados, com um número de óbitos explosivo. Esse é o papel do desemprego na chamada “economia de mercado”, manter sempre à disposição farta mão de obra a preços baixos.

Podemos continuar andando ou como disse Rael: ”aqui é o inferno, onde pagamos e estamos pagando, aqui é o inferno de algum outro lugar e desde o quilombo a gente paga, nada mudou.”

Obrigado,

Olhar periférico 05.


quarta-feira, 20 de maio de 2020

A tal da curva



“O que é a curva de contaminação que tanto falam?”

Resposta: para efeito de exposição, vamos considerar um hospital que possui 100 leitos de UTI à disposição. Se 100 pacientes chegarem precisando dessas vagas ao mesmo tempo, o hospital não atenderá mais ninguém por 14 dias (tempo médio de internação). Se chegar mais 100 pacientes no segundo dia provavelmente irão morrer, pois não haverá mais vagas. Caso todos pacientes fossem atendidos, teríamos “apenas” de 3 à 5 óbitos. Nesse período de 14 dias no qual o hospital não pode atender ninguém, morreram 1.400 pessoas. No dia 15 do mês o hospital volta a atender de novo 100 pacientes e fica mais 14 dias sem poder receber novos pacientes. 

Como vimos nesse cenário, a rede hospitalar (privada ou pública) só poderia atender sua capacidade total duas vezes por mês, ou seja, um hospital com 100 leitos só atenderia 200 pacientes a cada mês.

Voltando para o município de São Paulo. Mesmo contando com a rede privada temos 5.000 leitos (lembrando que parte importante deles já estão ocupados). Se todos os 1 milhão de pacientes precisassem ao mesmo tempo dos leitos de UTI, digamos num intervalo de 3 meses, nossa capacidade de atendimento seria de 30.000 pacientes (duas vezes a capacidade a cada mês), ou seja, 970.000 pacientes morreriam sem atendimento somente em nosso município.

Aqui entra a história do achatamento da curva. Um município com 100 leitos de UTI não pode atender os 100 de uma vez, pois, nesse caso, não atenderia mais ninguém pelos próximos 14 dias. Simplificando a conta, podemos dizer que esse município pode atender no máximo 7 pacientes por dia. Vejamos: se a cada dia ele receber 7 pacientes, depois de 14 dias ele iria ter 98 leitos ocupados. No dia 15 os 7 primeiros pacientes atendidos já teriam desocupado suas vagas, permitindo que outros 7 sejam atendidos e, assim, sucessivamente.

“Isso é o achatamento da curva?”

Resposta: esse município com 100 leitos de UTI precisa garantir que no máximo 7 pessoas sejam internadas por dia, para isso acontecer não pode haver mais do que 70 contaminações por dia.

No município de São Paulo os dados oficiais (16/05) mostram que já chegamos a mais de 1.400 casos confirmados por dia, com 85 óbitos. Mesmo com os aumentos de leitos disponíveis, já atingimos 86% de taxa de ocupação. 

Estudos apontam que se essa tendência de aumento se manter, ocorrerá o colapso do sistema de saúde de São Paulo entre uma e duas semanas, isto é, o município não poderá oferecer vagas para os pacientes precisando de leitos de UTI. Nesse cenário de 1.600 casos por dia e sem atendimento aos que necessitam de leitos de UTI, teríamos somente no município de São Paulo 160 óbitos por dia. Com 2.000 casos por dia 200 óbitos, 3.000 casos por dia 300 óbitos e assim sucessivamente.

A Prefeitura de São Paulo chegou a ameaçar requisitar leitos da rede privada caso não houvesse acordo sobre os valores. Nesse cenário, os hospitais privados são obrigados a atender os pacientes e, posteriormente, se discute os valores à ser pago pela prefeitura. Houve acordo e a prefeitura irá pagar R$ 2.100,00 por dia para cada leito utilizado. O governo do Estado de São Paulo anunciou acordos semelhantes.

“O que é subnotificação?”

Resposta: até o dia 16/05 o município de São paulo teve 38.000 casos confirmados e outros 135.000 casos suspeitos. Como não temos testes suficientes para todos os casos suspeitos, muitas pessoas morrem com suspeita, mas sem o teste ter sido realizado. Podemos considerar que o número de óbitos por Covid-19 pode ser duas ou até três vezes maior que os números oficiais.

Cabe lembrar que a própria prefeitura de São Paulo já admitiu que 400 sepultamentos é sua capacidade máxima por dia. Como as pessoas continuam morrendo por outros motivos além da Covid-19, o setor funerário também corre o risco de não conseguir atender a demanda de sepultamentos por dia. Já foram comprados pela prefeitura caminhões frigoríficos para conservação dos corpos. 

“Como se consegue o achatamento da curva?”

Resposta: com distanciamento social.

“Mas como fazer isso nas periferias?”

Resposta: essa é outra história.

Obrigado,

Olhar periférico 04.


sábado, 16 de maio de 2020

A dança dos números



De maneira resumida, podemos dizer que a Covid-19 chegou ao Brasil através das classes privilegiadas, pois são elas que mais viajam pelo mundo. Infectadas lá fora, trouxeram a doença para o país. A maior parte dos primeiros casos no Brasil foi de pessoas que retornaram da Itália com a doença. Nesse primeiro estágio, não há ainda transmissão comunitária, isto é, a doença não está circulando internamente no país. 

No entanto, quando outras pessoas, em contato com aquelas que voltaram infectadas do exterior, também se infectam e adoecem, entramos no segundo estágio da doença, a chamada transmissão comunitária.

Os primeiros contaminados, portanto, são os privilegiados e têm acesso a bons hospitais, assim como tem condições de praticar o isolamento social em suas casas confortáveis. Mesmo com a possível contaminação de seus funcionários e empregados, ainda há um razoável controle sobre essa situação.

Os governos, ao olhar os números e fazer algumas contas, se assustam. Estudos mostram que São Paulo (município e estado) precisa dispor de muitos mais leitos de UTI para atender a demanda.  Os números variam de acordo com o estudo, no entanto, podemos pensar em algo como: para cada 20 leitos de UTI que vamos precisar temos 2, mas 1 já está ocupado por paciente com outra doença.

Ainda que alguns dos leitos ocupados sejam disponibilizados, precisamos aumentar nossa capacidade em quase 20 vezes. Não é possível. Mesmo com grande aporte financeiro a disposição, não será o suficiente. Não há profissionais qualificados e equipamentos disponíveis. A quarentena será necessária. 

“Por quê?”

Com a diminuição do contato entre as pessoas, se diminui a propagação da contaminação e a necessidade de leitos de UTI. Parece simples, mas não é. A lógica por trás do argumento está correta, o problema é como aplicá-la. 

Quando São Paulo decretou a quarentena em março foi, razoavelmente, bem aceita na cidade. Todos estavam assustados com o alto número de “velhinhos” que estavam morrendo. 

A questão é: quem eram essas pessoas? 

Resposta: os privilegiados. Famílias com histórico de boa saúde, pois se alimentam melhor, tem acesso a bons médicos quando necessário, podem seguir dietas especiais e fazer atividades físicas em academias com o correto acompanhamento. A doença não foi devastadora. Mesmo com o histórico de privilégios é mais comum “os velhinhos” apresentarem uma saúde mais frágil, portanto, são os mais impactados pela doença.

 Nesse primeiro momento a elite paulista concordou com a quarentena, pois era a vítima. Em caso de rápida propagação da doença, não haveria leitos de UTI suficientes, mesmo na rede particular.

“Por que a discussão sempre se dá em torno dos leitos de UTI?”

Seguindo o modelo anterior, podemos pensar nesses termos: para cada 100 pessoas que se contaminam com essa doença 80 não terá sintomas ou será apenas sintomas leves e 20 precisará de atendimento médico. Dessas, 10 podem precisar ser entubadas e dos leitos de UTI. Entre 5 e 7 irá se recuperar. Número de óbitos: 3 a 5 de cada 100 pessoas infectadas.

“Então o número de mortes é baixo, certo?”

Depende. Uma doença que mata entre 3 e 5 pessoas a cada 100 contaminados pode sim ser considerado um número baixo. No entanto, há outros fatores que devem ser considerados.

Causador da Covid-19, o coronavírus é um vírus novo e altamente contagioso, pois ninguém tem os anticorpos necessários para combatê-lo. Quase todos que tiverem contato com ele será infectado. O Brasil tem pouco mais de 210 milhões de habitantes, portanto, estamos falando de que podemos ter mais de 200 milhões de infectados. O Estado de São Paulo tem 45 milhões de habitantes e o município de São Paulo tem 12 milhões de habitantes.

Para facilitar a conta vamos considerar que no município de São Paulo 10 milhões de pessoas sejam infectadas (seria um pouco mais que isso). Desse total, 8 milhões não terá grandes problemas, 2 milhões precisará de atendimento médico, 1 milhão irá precisar de leitos de UTI e entre 300 e 500 mil pessoas irá morrer. Isso, claro, se houvesse 1 milhão de leitos de UTI, há um pouco menos de 5.000 (privado e público juntos), no SUS são menos de 2.000 leitos de UTI.

Se considerarmos as 28 capitais do Brasil temos: 10.000 leitos SUS e 12.000 leitos privados. Fazendo a mesma conta acima para o país teremos 40 milhões de pessoas que precisará de atendimento médico, 20 milhões em leitos de UTI e entre 6 e 10 milhões de óbitos. Isso se houvesse leitos de UTI para todos, não é o caso.

“É por isso que falam do achatamento da curva?” Resposta: essa é outra história.

Obrigado,

Olhar periférico 03.


sexta-feira, 15 de maio de 2020

Qual é o sentido da periferia?

                 

Não faço ideia. Melhor seria dizer que não tenho esse nível de arrogância em dizer, assertivamente, qual seria o sentido da periferia. 

Posso tentar explicar qual seria o sentido, pretendido, desse blog. O resultado vai depender de uma série de fatores, muitos dos quais não terei controle, sendo assim, também não será o foco das minhas preocupações.

Sou um Geógrafo e Professor de Geografia ou seria Professor de Geografia e Geógrafo? Faz diferença? Provavelmente não, pois ambos não são reconhecidos por grande parte da sociedade. Já ouço os gritos: "pera lá, professor é uma profissão muito digna". Não é minha intenção, nesse momento, discutir a dignidade ou não dessa profissão. Podemos, no entanto, pensar sobre alguns números.

No Estado de São Paulo (sou professor concursado do Estado e da Prefeitura de São Paulo) um professor efetivo em início de carreira (há três categorias: efetivo, "F" e eventual, com ganhos em ordem decrescente) com uma jornada de 30 aulas semanais recebe líquido, ao final do mês, por volta de R$2.500,00. Os gritos novamente: "eu vi o governador dizendo que tem um novo plano de carreira que o professor pode ganhar até R$10.000,00". Resposta do blog: mentira. Também não é verdade quando se diz que o salário médio do professor do Estado de São Paulo está entre R$4.000,00 e R$5.000,00. Se faz uso de malabarismos contábeis para dar essa impressão. A conta é simples: um período de aulas, ou seja, manhã ou tarde é composto por 30 aulas semanais. Nesse sentido o professor que tem todas as aulas teria 30 aulas semanais. Essa deve ser a base da discussão. O outro período? Preparação de aulas, correção de atividades, atualização acadêmica etc. Assim estaríamos falando de uma jornada de 40 horas semanais, carga horária padrão do trabalhador no país. Esse é o "reconhecimento" que a sociedade paulista (Estado mais rico da federação) aceitou em dar ao professor. Nota: o plano de carreira permite evolução: após 20, 25 anos de atuação o valor alcança, talvez, R$3.500,00.

Mas esse também não será o principal objetivo dos textos nesses espaço.

Temas? Não haverá um específico. Política, economia, educação, esportes, saúde, cultura etc. A ideia, pretendida, é fazer uma leitura desses temas a partir da perspectiva da periferia. A periferia tem uma perspectiva própria? Talvez não, mas penso que não é a que está presente em grande parte da mídia. Não entendeu? Perfeito. Não há respostas simples, pelo menos não para questões complexas. O importante é tensioná-las.

Correndo o risco de citar de maneira errada. Segundo Foucault, o conhecimento não surge a partir do consenso, mas do conflito. Quando há a tensão entre as ideias, o confronto, surge, às vezes,  uma faísca e essa faísca resultante dessa tensão é o conhecimento. Ou seja, o conhecimento pode ser visto como algo quase antinatural, não se faz presente quando a busca é apenas pelo consenso fácil. O embate permite e é necessário para se alcançar um conhecimento possível. Aceitando, por pressuposto, que esse conhecimento, como todos os outros, é sempre transitório e pode ser desconstruído a qualquer momento. 

Não por acaso há um discurso vigente, democraticamente eleito - é sempre bom lembrar, que nega o conhecimento científico e/ou o debate de ideias, pois já sabe qual é a verdade. Ciências humanas é lugar de comunista vagabundo.

Periodicidade? Também não sei. Nesse primeiro momento, tem vários temas sobre os quais gostaria de escrever, portanto, haveria possibilidade de muitos textos na sequência. Também não é minha intenção. Por quê? Um dos motivos de não ter feito uso de espaços como esse antes foi a preocupação em ter alguma relevância. Para isso preciso escrever e reescrever meus textos, deixá-los “descansar” entre um e outro momento. Nesse sentido, relatos diários não são meu objetivo. Não por serem menos importantes, mas devido ao fato do que me mobiliza são outras demandas. Provavelmente irei escrever textos de acordo com meus incômodos e possibilidades de tempo e, posteriormente, serão postados com periodicidade indefinida, pelo menos nesse primeiro momento. É mais barato que terapia.

Enfim, se alguém chegou até aqui, muito obrigado. Esse texto é uma tentativa de apresentação da proposta.


Olhar periférico 01.


Representatividade

        Segundo a constituição de 1988, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, isto é...