quarta-feira, 20 de maio de 2020

A tal da curva



“O que é a curva de contaminação que tanto falam?”

Resposta: para efeito de exposição, vamos considerar um hospital que possui 100 leitos de UTI à disposição. Se 100 pacientes chegarem precisando dessas vagas ao mesmo tempo, o hospital não atenderá mais ninguém por 14 dias (tempo médio de internação). Se chegar mais 100 pacientes no segundo dia provavelmente irão morrer, pois não haverá mais vagas. Caso todos pacientes fossem atendidos, teríamos “apenas” de 3 à 5 óbitos. Nesse período de 14 dias no qual o hospital não pode atender ninguém, morreram 1.400 pessoas. No dia 15 do mês o hospital volta a atender de novo 100 pacientes e fica mais 14 dias sem poder receber novos pacientes. 

Como vimos nesse cenário, a rede hospitalar (privada ou pública) só poderia atender sua capacidade total duas vezes por mês, ou seja, um hospital com 100 leitos só atenderia 200 pacientes a cada mês.

Voltando para o município de São Paulo. Mesmo contando com a rede privada temos 5.000 leitos (lembrando que parte importante deles já estão ocupados). Se todos os 1 milhão de pacientes precisassem ao mesmo tempo dos leitos de UTI, digamos num intervalo de 3 meses, nossa capacidade de atendimento seria de 30.000 pacientes (duas vezes a capacidade a cada mês), ou seja, 970.000 pacientes morreriam sem atendimento somente em nosso município.

Aqui entra a história do achatamento da curva. Um município com 100 leitos de UTI não pode atender os 100 de uma vez, pois, nesse caso, não atenderia mais ninguém pelos próximos 14 dias. Simplificando a conta, podemos dizer que esse município pode atender no máximo 7 pacientes por dia. Vejamos: se a cada dia ele receber 7 pacientes, depois de 14 dias ele iria ter 98 leitos ocupados. No dia 15 os 7 primeiros pacientes atendidos já teriam desocupado suas vagas, permitindo que outros 7 sejam atendidos e, assim, sucessivamente.

“Isso é o achatamento da curva?”

Resposta: esse município com 100 leitos de UTI precisa garantir que no máximo 7 pessoas sejam internadas por dia, para isso acontecer não pode haver mais do que 70 contaminações por dia.

No município de São Paulo os dados oficiais (16/05) mostram que já chegamos a mais de 1.400 casos confirmados por dia, com 85 óbitos. Mesmo com os aumentos de leitos disponíveis, já atingimos 86% de taxa de ocupação. 

Estudos apontam que se essa tendência de aumento se manter, ocorrerá o colapso do sistema de saúde de São Paulo entre uma e duas semanas, isto é, o município não poderá oferecer vagas para os pacientes precisando de leitos de UTI. Nesse cenário de 1.600 casos por dia e sem atendimento aos que necessitam de leitos de UTI, teríamos somente no município de São Paulo 160 óbitos por dia. Com 2.000 casos por dia 200 óbitos, 3.000 casos por dia 300 óbitos e assim sucessivamente.

A Prefeitura de São Paulo chegou a ameaçar requisitar leitos da rede privada caso não houvesse acordo sobre os valores. Nesse cenário, os hospitais privados são obrigados a atender os pacientes e, posteriormente, se discute os valores à ser pago pela prefeitura. Houve acordo e a prefeitura irá pagar R$ 2.100,00 por dia para cada leito utilizado. O governo do Estado de São Paulo anunciou acordos semelhantes.

“O que é subnotificação?”

Resposta: até o dia 16/05 o município de São paulo teve 38.000 casos confirmados e outros 135.000 casos suspeitos. Como não temos testes suficientes para todos os casos suspeitos, muitas pessoas morrem com suspeita, mas sem o teste ter sido realizado. Podemos considerar que o número de óbitos por Covid-19 pode ser duas ou até três vezes maior que os números oficiais.

Cabe lembrar que a própria prefeitura de São Paulo já admitiu que 400 sepultamentos é sua capacidade máxima por dia. Como as pessoas continuam morrendo por outros motivos além da Covid-19, o setor funerário também corre o risco de não conseguir atender a demanda de sepultamentos por dia. Já foram comprados pela prefeitura caminhões frigoríficos para conservação dos corpos. 

“Como se consegue o achatamento da curva?”

Resposta: com distanciamento social.

“Mas como fazer isso nas periferias?”

Resposta: essa é outra história.

Obrigado,

Olhar periférico 04.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Representatividade

        Segundo a constituição de 1988, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, isto é...