sábado, 16 de maio de 2020

A dança dos números



De maneira resumida, podemos dizer que a Covid-19 chegou ao Brasil através das classes privilegiadas, pois são elas que mais viajam pelo mundo. Infectadas lá fora, trouxeram a doença para o país. A maior parte dos primeiros casos no Brasil foi de pessoas que retornaram da Itália com a doença. Nesse primeiro estágio, não há ainda transmissão comunitária, isto é, a doença não está circulando internamente no país. 

No entanto, quando outras pessoas, em contato com aquelas que voltaram infectadas do exterior, também se infectam e adoecem, entramos no segundo estágio da doença, a chamada transmissão comunitária.

Os primeiros contaminados, portanto, são os privilegiados e têm acesso a bons hospitais, assim como tem condições de praticar o isolamento social em suas casas confortáveis. Mesmo com a possível contaminação de seus funcionários e empregados, ainda há um razoável controle sobre essa situação.

Os governos, ao olhar os números e fazer algumas contas, se assustam. Estudos mostram que São Paulo (município e estado) precisa dispor de muitos mais leitos de UTI para atender a demanda.  Os números variam de acordo com o estudo, no entanto, podemos pensar em algo como: para cada 20 leitos de UTI que vamos precisar temos 2, mas 1 já está ocupado por paciente com outra doença.

Ainda que alguns dos leitos ocupados sejam disponibilizados, precisamos aumentar nossa capacidade em quase 20 vezes. Não é possível. Mesmo com grande aporte financeiro a disposição, não será o suficiente. Não há profissionais qualificados e equipamentos disponíveis. A quarentena será necessária. 

“Por quê?”

Com a diminuição do contato entre as pessoas, se diminui a propagação da contaminação e a necessidade de leitos de UTI. Parece simples, mas não é. A lógica por trás do argumento está correta, o problema é como aplicá-la. 

Quando São Paulo decretou a quarentena em março foi, razoavelmente, bem aceita na cidade. Todos estavam assustados com o alto número de “velhinhos” que estavam morrendo. 

A questão é: quem eram essas pessoas? 

Resposta: os privilegiados. Famílias com histórico de boa saúde, pois se alimentam melhor, tem acesso a bons médicos quando necessário, podem seguir dietas especiais e fazer atividades físicas em academias com o correto acompanhamento. A doença não foi devastadora. Mesmo com o histórico de privilégios é mais comum “os velhinhos” apresentarem uma saúde mais frágil, portanto, são os mais impactados pela doença.

 Nesse primeiro momento a elite paulista concordou com a quarentena, pois era a vítima. Em caso de rápida propagação da doença, não haveria leitos de UTI suficientes, mesmo na rede particular.

“Por que a discussão sempre se dá em torno dos leitos de UTI?”

Seguindo o modelo anterior, podemos pensar nesses termos: para cada 100 pessoas que se contaminam com essa doença 80 não terá sintomas ou será apenas sintomas leves e 20 precisará de atendimento médico. Dessas, 10 podem precisar ser entubadas e dos leitos de UTI. Entre 5 e 7 irá se recuperar. Número de óbitos: 3 a 5 de cada 100 pessoas infectadas.

“Então o número de mortes é baixo, certo?”

Depende. Uma doença que mata entre 3 e 5 pessoas a cada 100 contaminados pode sim ser considerado um número baixo. No entanto, há outros fatores que devem ser considerados.

Causador da Covid-19, o coronavírus é um vírus novo e altamente contagioso, pois ninguém tem os anticorpos necessários para combatê-lo. Quase todos que tiverem contato com ele será infectado. O Brasil tem pouco mais de 210 milhões de habitantes, portanto, estamos falando de que podemos ter mais de 200 milhões de infectados. O Estado de São Paulo tem 45 milhões de habitantes e o município de São Paulo tem 12 milhões de habitantes.

Para facilitar a conta vamos considerar que no município de São Paulo 10 milhões de pessoas sejam infectadas (seria um pouco mais que isso). Desse total, 8 milhões não terá grandes problemas, 2 milhões precisará de atendimento médico, 1 milhão irá precisar de leitos de UTI e entre 300 e 500 mil pessoas irá morrer. Isso, claro, se houvesse 1 milhão de leitos de UTI, há um pouco menos de 5.000 (privado e público juntos), no SUS são menos de 2.000 leitos de UTI.

Se considerarmos as 28 capitais do Brasil temos: 10.000 leitos SUS e 12.000 leitos privados. Fazendo a mesma conta acima para o país teremos 40 milhões de pessoas que precisará de atendimento médico, 20 milhões em leitos de UTI e entre 6 e 10 milhões de óbitos. Isso se houvesse leitos de UTI para todos, não é o caso.

“É por isso que falam do achatamento da curva?” Resposta: essa é outra história.

Obrigado,

Olhar periférico 03.


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